quinta-feira, 25 de novembro de 2010

NAZISMO E COMUNISMO, SEMELHANÇA E DIFERENÇA

Ensaísta francês explica como políticas supostamente opostas levam a atos semelhantes

JOSÉ NÊUMANNE



GÊMEOS HETEROZIGOTOS
Por que a memória do Holocausto é tão notória, enquanto se escreve tão pouco, e quando se escreve a divulgação é tão pequena, a respeito do Gulag comunista? Por que é tão exato o número de vítimas dos campos de concentração do 3.º Reich e tão impreciso o total de mortos nos "sanatórios" soviéticos?

Tentando responder a essas questões, o francês Alain Besançon escreveu o ensaio publicado no Brasil sob o título de A Infelicidade do Século - Sobre o Comunismo, o Nazismo e a Unicidade da Shoah (Bertrand Brasil, trad. de Emir Sader, 144 págs., R$ 22). Das definições capazes de dirimir essas dúvidas podem surgir as explicações capazes de nos habilitar a conhecer nosso mundo e o tempo em que vivemos.

A premissa para qualquer resposta há de começar sempre pela tentativa de entender as semelhanças, mas também as diferenças entre o nacional-socialismo de Adolf Hitler e o marxismo-leninismo de Lenin, Stalin, Mao Tsé-tung, Fidel Castro e outros. Segundo Pierre Chaunu, nazismo e comunismo são "gêmeos heterozigotos" (que têm características genéticas diferentes), o que os torna, apesar de inimigos e originários de histórias e povos distintos, assemelhados em várias características. "Eles se colocam como objetivo chegar a uma sociedade perfeita, destruindo os elementos negativos que se opõem a ela. Eles pretendem ser filantrópicos, pois querem, um deles, o bem de toda a humanidade, o outro, o do povo alemão, e esse ideal suscitou adesões entusiásticas e atos heróicos. Mas o que os aproxima mais é que ambos se dão o direito - e mesmo o dever - de matar, e o fazem com métodos que se assemelham, numa escala desconhecida na História", escreveu Besançon, já na introdução.

Aí, como se vê, já surge uma diferença: quais e quantas foram as vítimas? Os alemães eram organizados, frios, sistemáticos, como descreveu Hannah Arendt em Eichman em Jerusalém - Relato sobre a Banalidade do Mal: comandavam uma linha de montagem da morte em série e contavam os cadáveres para alcançar objetivos estatísticos e metas burocráticas. Suas vítimas preferenciais, os judeus, são memorialistas obsessivos, sobrevivem através dos tempos registrando suas glórias e fracassos - está aí a Bíblia para comprová-lo. Os comunistas, não. Suas vítimas eram vaga e genericamente definidas como "inimigas do socialismo", párias do partido - não tinham, portanto, a tradição, o conhecimento, a necessidade de registrar que tinham os perseguidos por Hitler.

Sutileza - E não foi só isso. Há uma diferença capital entre os esbirros da SS ou da Gestapo e os da NKVD, Tcheka ou da KGB: se o nazismo era sobretudo estético, o comunismo é ético: "O nazismo restabelecerá o mundo em sua beleza; o comunismo em sua moral", definiu Besançon. O livro todo é perpassado por esse conhecimento profundo que emerge de uma forma clara, simples e bem escrita.

Em nome desse conhecimento, em rápidas linhas, o autor enfrenta mitos da historiografia espetaculosa, ao demonstrar que o papa Pio XII não foi um colaboracionista do nazi-fascismo, mas ao contrário, a seu modo, um sensato e inteligente pólo de resistência no comando do Vaticano. No texto em que se propõe ambiciosamente a discutir sem pedantismo, mas em profundidade, a natureza do Mal em duas formas absolutistas, o schollar europeu analisa as conseqüências do fato de o nazismo ser pagão, e portanto anti-semita por definição, mas ainda, e não em menor grau, anticristão, enquanto o comunismo é ateu, e portanto anticristão e também... anti-semita.

A leitura desse livro é de grande utilidade, pois o texto conta como os dois regimes totalitários se infiltraram nas democracias para debilitá-las, usando sua própria natureza para depois esmagá-las: "A tomada do poder por um partido comunista é preparada por uma luta puramente política no seio de uma sociedade normalmente política." Depois, é sistematicamente realizado o que o autor chama de "a destruição do político". As duas utopias totalitárias começam pela exploração do ressentimento e terminam pela destruição física e moral dos alvos desse rancor manipulado. Ambas também se inspiraram mutuamente em sua crueldade sem limites: o autor acredita haver razões para imaginar que "a noite dos longos punhais", na qual Hitler eliminou seus incômodos companheiros de partido, em 1934, foi inspirada no "Grande Terror" de Stalin e nos expurgos em que, à mesma época, ele se livrou de camaradas bolcheviques da primeira hora. Mas há também aqui uma diferença capital: "O comunismo é mais perverso do que o nazismo porque ele não pede ao homem que atue conscientemente como um criminoso, mas, ao contrário, se serve do espírito de justiça e de bondade que se estendeu por toda a terra para difundir em toda a terra o mal. Cada experiência comunista é recomeçada na inocência", escreve Besançon.

O conhecimento da crueldade do 3.º Reich afundou o nazismo no esquecimento, mas a amnésia quanto aos horrores patrocinados pela inocência sempre renovada dos comunistas mantém a ronda de seu fantasma sobre o planeta, não apenas sob o disfarce grotesco de Fidel Castro, mas também na China, na Coréia e bem pertinho de nós: nos sonhos igualitários de gente que se submete às regras do jogo da democracia burguesa, como Hugo Chávez na Venezuela e Lula da Silva aqui. O implacável texto de Besançon mostra como começa e onde termina esse tipo de ilusão: no extermínio físico ou na degradação moral. Para evitá-lo convém começar por conhecê-lo bem.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do "Jornal da Tarde"

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